quinta-feira, 3 de julho de 2008

Food porn e comfort food em um texto como deve ser: substancioso e preparado lentamente e com amor...


"Food porn" significa algo como "comida pornográfica", ou "pornografia gastronômica", na falta de uma tradução mais adequada... Na verdade, o que vem sendo chamado de "food porn" nada mais é do que a relação íntima entre comida e erotismo, entre comida e sexo, entre comida e libido, entre comida e afeto. Há uma série de cozinheiros, em todas as partes do mundo, que representam esse novo/velho tipo de relação com a comida, que tem muito a ver com "comfort food", quer dizer, a culinária afetiva, que remete aos sabores da infância, aos pratos feitos por mães e avós, à tradição e à ancestralidade, ao amor pelo próximo, ao afeto que depositamos em um prato ao cozinhá-lo para alguém. Eu disse “novo/velho” logo acima pois os cozinheiros que se dedicam ao “comfort food”, por um lado, tentam resgatar os valores, tradições e ingredientes das culinárias de seus países, independente dos modismos e reduzindo o uso de técnicas clássicas (francesas principalmente) ao máximo e, por outro lado, são atualmente os jovens que se cansaram da pseudo “novidade” gastronômica atual; aqui no Brasil há por exemplo Morena Leite, Ana Luisa Trajano, Carla Pernambuco (minha preferida) e mesmo Roberta Sudbrack. Além disso, disse "cozinheiros" várias vezes de forma proposital, pois uma das características do "comfort food", e mesmo o “food porn”, é a rejeição do ascetismo, da frieza, da habilidade mecânica dos chefs de cozinha que, principalmente depois da tal "gastronomia molecular" de Ferran Adriá e comparsas, viraram rôbos procurando perfeição em último grau, principalmente perfeição técnica e estética, se esquecendo do principal, o paladar e o amor.
Nos Estados Unidos, os pratos clássicos da "comfort food" são aqueles da culinária sulista, dos negros, das grandes famílias, de Nova Orleans e Luisiana, a culinária cajun, a verdadeira culinária americana, (por favor, não pensem em "junk food"!): broa de milho, jambalaya, gumbo. Não é à toa que essa culinária é chamada de "soul food", ou "comida da alma"!
Na Europa, há a culinária italiana e os pratos do norte e da Toscana (região cuja principal cidade é Florença), locais em que a vida no campo ainda é regra: pratos ricos, densos e substanciosos (diferentes da culinária do sul, das ilhas, por exemplo a Sicília, com pratos mais leves, com peixes, frutos do mar e vegetais frescos), com muita carne e embutidos para os diferentes tipos de ragú, sopas, massas feitas em casa, de todos os jeitos e formatos, gnocchi, risotto, muito azeite, queijos, principalmente de cabra, e tomate cozido lentamente; e as sobremesas, como o tiramisu e a panna cotta (minha sempre favorita!)... Os italianos do norte são tão apaixonados por suas raízes e por suas receitas tradicionais que se recusam a passar os segredos adiante, e se o fazem estabelecem uma série de exigências ao "candidato". E há também a culinária francesa clássica, anterior à "nouvelle cuisine", e os tradicionais molhos, à base de manteiga e do suco das carnes por exemplo, sopas (como a clássica bouillabaisse, sopa de peixe), o uso do pato (magret) e do ganso (e do seu fígado, o foie gras), os pratos "confit" (confit de pato, confit de ganso: carnes cozidas lentamente na sua própria gordura), os cozidos (como boeuf bourguignon e pot au feu), os souflês, a deliciosa tarte tatin...
No Brasil, pensem nos pratos que, independente da região, eram feitos pelas famílias para sustentar seus membros durante a labuta, ou mesmo os pratos festivos, contanto que todos eles contenham ingredientes regionais e passem longe de técnicas rebuscadas (aqui em Minas, há a comida da "roça": os pratos com feijão, as carnes molhadas - frango com quiabo e ao molho pardo - , os doces e queijos tradicionais, a comida da "quitanda", quer dizer, bolos, biscoitos e pães).
Tantas delícias, tantas histórias!
Mas e a tal "food porn"?! Primeiro, devemos lembrar o componente de marketing que o termo carrega (juntar comida e sexo, quer composição mais atrativa que essa?!), mas, a despeito disso, fato é que as novas "musas" da comida erótica participam de bem sucedidos "empreendimentos" culinários: programas de tv (nos EUa há um canal dedicado inteiramente a isso: Food TV; e no Brasil há o GNT, com boa parte da programação dedicada aos prazeres da boa mesa), livros, cursos, produtos patenteados, etc. Juntem comida, garotas bonitas, ambas muito apetitosas e, bingo! Isso vende! Mas longe de mim fazer uma crítica a essa onda da comida erótica, não! Acho maravilhoso, instigante, emocionante que aquela antiga imagem da mulher gostosa, fogosa, que se dedica a proporcionar prazer e alegria à família, ao amado (ou ao pretendente a amado), aos amigos, esteja enfim reaparecendo e sendo celebrada! Chega de uma relação acadêmica e arrogante com a comida (todos hoje em dia são metidos a entendedores, a "foodies", se acham os tais por conhecerem os restaurantes da moda, fazerem "viagens eno-gastronômicas", cursos e mais cursos caríssimos)! Chega de anorexia e contagem de calorias! Viva o frango da roça, os queijos gordurosos, os vegetais da estação, os acertos e erros na beira do fogão, a confraternização, a mesa farta e cheia, a celebração em torno do paladar! Eu sou a prova viva disso: acabo sempre salgando de mais ou de menos, cozinhando após o ponto ou bem antes dele, colocando muita água, muita farinha, muito açúcar ou esquecendo completamente deles, deixando a comida quase queimar pois estava entretida colocando o papo em dia ou bebendo uma (uma?!) taça de vinho... Às vezes dá certo, outras vezes longe disso! Mas não há nada na vida que me deixe mais feliz do que fazer comida, falar de comida, ler sobre comida, ver comida... ser comida! Ops! Tá vendo, não falei que essa tal culinária erótica era "quente"?!?!?!
Para terminar, a dica de um vídeo de Nigella Lawson (há inúmeros no youtube), a musa maior do "food porn": http://youtube.com/watch?v=lZHm3gTAuOw&feature=related Nigella tem vários livros maravilhosos, programas de tv (em que aparece em sua própria casa, cozinhando para seus filhos, marido e amigos), é linda, charmosa, cheirosa (aposto que é!), deliciosa, apetitosa, assim como a comida que ela faz! Neste vídeo ela diz que "não há nada mais maravilhoso na vida e na comida do que as receitas passadas de geração para geração"... Eu bem que queria comer a comida dela, e até comê-la quem sabe (aqui em casa meu namorado é fã de carteirinha das curvas e das receitas de Nigella)... Se quiserem também, acessem o site http://www.nigella.com/ e sejam felizes!


Um comentário:

Anônimo disse...

Very nice!

Gostei do texto. Estou esperando minha 'porn food delivery'!

de seu fan,

Evan Love