domingo, 7 de setembro de 2008

Para meu querido chef (há muito eu estava te devendo isso).

Anthony Bourdain… Qualquer coisa sobre ele, ou dele. Pode mandar, que eu degusto feliz, com a certeza de que é coisa boa. É claro, e infelizmente, meu apetite quando se trata dele se resume ao papel, já que nunca pude (quem sabe um dia...) comer algum alimento que ele tivesse preparado de fato, só mesmo suas palavras. Mas, e daí, não é? Não preciso ter comido nada de um chef pra ser fã dele, descabidamente fã dele, apaixonadamente fã dele, cegamente fã dele (sim, eu acho que até comeria ele, o próprio).

A primeira vez que ouvi falar de Tony, “meu amigo”, foi quando, há alguns anos atrás, adquiri dois dos seus muitos livros. Primeiro, um de seus romances, Cozinha confidencial, em que ele oferece uma memória de seus anos como chef, desde as primeiras experiências com comida, na infância, nas viagens que fazia à França com os pais, passando pela formação em gastronomia na juventude, no Culinary Institute of America, recheada de sexo, drogas e rock n´roll (a tríade sempre presente na consolidação da personalidade de alguém que se preze e que vai um dia fazer alguma coisa interessante no mundo, desde que em doses moderadas, claro – não, isso de moderado vale só pras drogas, pensando melhor), as experiências, a maioria frustrada, em diversos restaurantes pelo país, desde os mais ordinários bufês, passando pelas previsíveis cozinhas de hotel, pelas mil espeluncas fadadas ao fracasso, até chegar ao Les Halles, a brasserie em que ele está até hoje – de alma, na verdade, já que não comanda a cozinha presencialmente há uns oito anos – e que ele mesmo considera a melhor do mundo (amo esta certa arrogância despretensiosa que os melhores, e que sabem que são os melhores, têm...), e que serve a clássica culinária francesa, nada de nouvelle cuisine, mas a velha escola: coq au vin, poulet rôti, gratin dauphinois, vichyssoise, boeuf bourguignon, cassoulet, steak su poivre, steak tartare, tournedos rossini, bouillabaisse. Uma semana depois, comprei seu único livro de receitas, Afinal, as receitas do Les Halles: histórias, táticas e técnicas, com as principais entre aquelas que constam ou já constaram no menu do restaurante, algumas já mencionadas acima, além de dicas e orientações recheadas daquilo que Tony tem de melhor: talento, ironia, muita ironia, uma dose generosa de sarcasmo e desprezo pelo mundo e pelos outros (é só fachada, mas que cai bem pra ele), e uma presença de espírito que eu nunca vi igual – uma exemplo clássico é quando ele, mesmo sabendo que está falando pra cozinheiros amadores, destila a pérola: “Não se estranhe, se, às vezes, eu me dirigir a você, leitor, chamando-o de ‘idiota’. Espero sua compreensão e não quero que isso seja levado para o plano pessoal. Saiba que, se você não largar o livro, se estiver disposto a fazer um bom trabalho e tiver um pouco de amor e respeito pela comida, eu depois lhe pagarei uma cerveja no bar”.

Depois, totalmente apaixonada, saí correndo atrás do pouco dele que está disponível no Brasil: Maus Bocados e Em busca do prato perfeito – há muitos outros livros, como No Reservations e A cook´s tour, que são o relato de algumas de suas experiências nas viagens que fez para os seus programas no Travel Channel e que têm o mesmo nome dos dois livros, e os romances sem nenhuma ligação com culinária, como Typhoid Mary: An Urban Historical, Bone in the Throat, Gone Bamboo e Bobby Gold, além dos inúmeros artigos e crônicas para jornais e revistas como New York Times, The New Yorker, Gourmet, The Independent, Financial Times, Town&Country, etc.


Mas, e então, o que me atrai tão desmedidamente em Tony? Bem, sem dúvida, a prosa dele, que já me fez chorar e rir, e não foram poucas as vezes; mas, na verdade, além da forma, o conteúdo: suas histórias de vida, seu amor pela comida, mais do que pela culinária ou gastronomia – e imagino mesmo o desdém na cara dele ao pronunciar estas duas palavrinhas tão “mágicas” hoje em dia mas também tão esnobes –, a cultura absurda que ele possui, sobre música, sobre literatura, sobre cinema, sobre o mundo, a forma como ele vê a vida, a si mesmo, e aos outros... O amor dele pelos outros é mais desmedido do que o meu por ele, e é emocionante ler as palavras que ele dedica àqueles a quem ele admira, e como ele o faz sem pieguices e romantismo tolo – sua mulher, seus amigos chefs, os grandes chefs que não foram seus amigos, os cozinheiros mexicanos, porto-riquenhos, cubanos, o verdureiro, o pescador de ostras, o cara da lava-louças, as chefs mulheres, por quem ele nutre uma paixão especial, as mulheres em geral, José, o dono do Les Halles, as bandas punk nova-iorquinas dos 70 e 80... enfim, pra quem for gente boa e estiver fazendo coisa honesta, Tony será o primeiro a dar o crédito. Além disso tudo, o filho-da-puta ainda consegue, nos seus 52 anos, ser descolado e charmoso pra cacete! E eu me casei muito com ele um dia desses aí, e tivemos uma lua-de-mel incrível, embora ele não tenha sabido disso (foi depois que ele se separou de Nancy, sua primeira mulher, mas já nos separamos também, sabe como é, bebe muito, é meio desmedido pra tudo, é mulherengo, e essa coisa das viagens, esposa nenhuma agüenta muito isso, e aí... mas ele está bem agora, se casou de novo com Octavia e tem até uma filhinha de um ano que adora azeitonas, polenta e vinho tinto!).

Pra quem quiser degustar um pouco do meu chef preferido, há na lista de links da abertura desse blog o endereço para o blog dele, e há milhões de vídeos dos seus programas no youtube. A propósito, a caveira acima é a insígnia que está bordada no jaleco de chef do Tony: cozinhe livre ou morra. Não preciso dizer mais nada...