Para o tempo que me olha
E espero ansiosa
Vou comendo a casa
Paçoca, suspiro, cocada, jujuba
Quindim, bombom, churros, bomba
Paçoca, suspiro, cocada, jujuba
Quindim, bombom, churros"
(Vanessa da Mata)








Amor, sexo, culinária, cultura e outras coisas de mulher...
Anthony Bourdain… Qualquer coisa sobre ele, ou dele. Pode mandar, que eu degusto feliz, com a certeza de que é coisa boa. É claro, e infelizmente, meu apetite quando se trata dele se resume ao papel, já que nunca pude (quem sabe um dia...) comer algum alimento que ele tivesse preparado de fato, só mesmo suas palavras. Mas, e daí, não é? Não preciso ter comido nada de um chef pra ser fã dele, descabidamente fã dele, apaixonadamente fã dele, cegamente fã dele (sim, eu acho que até comeria ele, o próprio).
A primeira vez que ouvi falar de Tony, “meu amigo”, foi quando, há alguns anos atrás, adquiri dois dos seus muitos livros. Primeiro, um de seus romances, Cozinha confidencial, em que ele oferece uma memória de seus anos como chef, desde as primeiras experiências com comida, na infância, nas viagens que fazia à França com os pais, passando pela formação em gastronomia na juventude, no Culinary Institute of America, recheada de sexo, drogas e rock n´roll (a tríade sempre presente na consolidação da personalidade de alguém que se preze e que vai um dia fazer alguma coisa interessante no mundo, desde que em doses moderadas, claro – não, isso de moderado vale só pras drogas, pensando melhor), as experiências, a maioria frustrada, em diversos restaurantes pelo país, desde os mais ordinários bufês, passando pelas previsíveis cozinhas de hotel, pelas mil espeluncas fadadas ao fracasso, até chegar ao Les Halles, a brasserie em que ele está até hoje – de alma, na verdade, já que não comanda a cozinha presencialmente há uns oito anos – e que ele mesmo considera a melhor do mundo (amo esta certa arrogância despretensiosa que os melhores, e que sabem que são os melhores, têm...), e que serve a clássica culinária francesa, nada de nouvelle cuisine, mas a velha escola: coq au vin, poulet rôti, gratin dauphinois, vichyssoise, boeuf bourguignon, cassoulet, steak su poivre, steak tartare, tournedos rossini, bouillabaisse. Uma semana depois, comprei seu único livro de receitas, Afinal, as receitas do Les Halles: histórias, táticas e técnicas, com as principais entre aquelas que constam ou já constaram no menu do restaurante, algumas já mencionadas acima, além de dicas e orientações recheadas daquilo que Tony tem de melhor: talento, ironia, muita ironia, uma dose generosa de sarcasmo e desprezo pelo mundo e pelos outros (é só fachada, mas que cai bem pra ele), e uma presença de espírito que eu nunca vi igual – uma exemplo clássico é quando ele, mesmo sabendo que está falando pra cozinheiros amadores, destila a pérola: “Não se estranhe, se, às vezes, eu me dirigir a você, leitor, chamando-o de ‘idiota’. Espero sua compreensão e não quero que isso seja levado para o plano pessoal. Saiba que, se você não largar o livro, se estiver disposto a fazer um bom trabalho e tiver um pouco de amor e respeito pela comida, eu depois lhe pagarei uma cerveja no bar”.
Depois, totalmente apaixonada, saí correndo atrás do pouco dele que está disponível no Brasil: Maus Bocados e Em busca do prato perfeito – há muitos outros livros, como No Reservations e A cook´s tour, que são o relato de algumas de suas experiências nas viagens que fez para os seus programas no Travel Channel e que têm o mesmo nome dos dois livros, e os romances sem nenhuma ligação com culinária, como Typhoid Mary: An Urban Historical, Bone in the Throat, Gone Bamboo e Bobby Gold, além dos inúmeros artigos e crônicas para jornais e revistas como New York Times, The New Yorker, Gourmet, The Independent, Financial Times, Town&Country, etc.
Mas, e então, o que me atrai tão desmedidamente em Tony? Bem, sem dúvida, a prosa dele, que já me fez chorar e rir, e não foram poucas as vezes; mas, na verdade, além da forma, o conteúdo: suas histórias de vida, seu amor pela comida, mais do que pela culinária ou gastronomia – e imagino mesmo o desdém na cara dele ao pronunciar estas duas palavrinhas tão “mágicas” hoje em dia mas também tão esnobes –, a cultura absurda que ele possui, sobre música, sobre literatura, sobre cinema, sobre o mundo, a forma como ele vê a vida, a si mesmo, e aos outros... O amor dele pelos outros é mais desmedido do que o meu por ele, e é emocionante ler as palavras que ele dedica àqueles a quem ele admira, e como ele o faz sem pieguices e romantismo tolo – sua mulher, seus amigos chefs, os grandes chefs que não foram seus amigos, os cozinheiros mexicanos, porto-riquenhos, cubanos, o verdureiro, o pescador de ostras, o cara da lava-louças, as chefs mulheres, por quem ele nutre uma paixão especial, as mulheres em geral, José, o dono do Les Halles, as bandas punk nova-iorquinas dos 70 e 80... enfim, pra quem for gente boa e estiver fazendo coisa honesta, Tony será o primeiro a dar o crédito. Além disso tudo, o filho-da-puta ainda consegue, nos seus 52 anos, ser descolado e charmoso pra cacete! E eu me casei muito com ele um dia desses aí, e tivemos uma lua-de-mel incrível, embora ele não tenha sabido disso (foi depois que ele se separou de Nancy, sua primeira mulher, mas já nos separamos também, sabe como é, bebe muito, é meio desmedido pra tudo, é mulherengo, e essa coisa das viagens, esposa nenhuma agüenta muito isso, e aí... mas ele está bem agora, se casou de novo com Octavia e tem até uma filhinha de um ano que adora azeitonas, polenta e vinho tinto!).
Pra quem quiser degustar um pouco do meu chef preferido, há na lista de links da abertura desse blog o endereço para o blog dele, e há milhões de vídeos dos seus programas no youtube. A propósito, a caveira acima é a insígnia que está bordada no jaleco de chef do Tony: cozinhe livre ou morra. Não preciso dizer mais nada...
Reflexões interessantes do escritor americano Mark Twain, que viveu entre os séculos XIX e XX (retiradas de um texto que li numa revista destas de circulação semanal bem antiga, que não terá seu nome referido aqui, por razões óbvias): “Cidadania? Não temos cidadania! Em lugar dela, ensinamos o patriotismo, de que Samuel Johnson dizia, já há 140 ou 150 anos atrás, ser o último refúgio do canalha – e eu sei que ele estava certo. Lembro-me de quando era menino ouvi repetida muitas e muitas vezes a frase ‘Minha pátria, certa ou errada, minha pátria’. Uma idéia absolutamente absurda”.
Perspicaz este escritor. Dele, só sabia que havia feito As aventuras de Tom Sayer, que nunca li. Primeiro, acho que, mais do que uma leitura anti-imperialista do trecho (a postura americana era o alvo da crítica de Twain), devemos ver nele também uma revolta contra todo e qualquer nacionalismo (seja o país em questão os EUA, seja Inglaterra, China, França, Brasil, ou qualquer outro pedaço de terra com uma cerca imaginária e que se intitule nação). O surgimento do “espírito” nacionalista remonta ao final do feudalismo, quando, frente ao surgimento e desenvolvimento do comércio entre os feudos, e devido à insegurança nas estradas que ligavam um feudo ao outro, às abusivas taxas e pedágios e à variedade de moedas locais (o que obviamente dificultava a troca de mercadorias), a nascente burguesia rompe com a frágil estrutura social até então dominante, baseada na autoridade imposta pela Igreja Católica e pelos senhores feudais (ai meu segundo grau!), e junta suas forças com a monarquia em ascensão, pleiteando uma moeda única, uma lei única, um governo único, etc., em lugar da “fragmentação” da sociedade feudal. A unificação, sob a alcunha de “nação”, era o que se desejava à época. Como se vê, então, esta baboseira toda de render tributos (e dar a própria vida, às vezes) à pátria, a despeito do papel ocupado pela mesma (se certa ou não, como diz o trecho mencionado por Twain), e mesmo quando esta pátria, em nome do “desenvolvimento”, massacra, explora e humilha os seus semelhantes – quer dizer, os homens não só de outros pontos do globo mas também aqueles que vivem no mesmo espaço físico, dentro da mesma “cerca” –, possui fundamentos não só morais, políticos, ideais, etc., mas, principalmente, econômicos, concretos. Hoje, vemos este “sentimento” imperar absoluto (o trocadilho não é à toa) não só nos países desenvolvidos (o que dizer da França, berço das pretensas “fraternidade”, “justiça” e “igualdade”... bem, isto tudo para poucos, ou seja, para a burguesia, que queria mandar às favas o rei do qual tinha se servido uma vez) mas mesmo nos rincões mais escondidos do planeta (como, sei lá, Burundi, Líbia, Sudão, etc.). “Nós” contra “eles”, ou “nós” com “eles”, dependendo dos interesses que guiam as relações internacionais, interesses estes que, é até estúpido e banal dizer, são sobretudo econômicos: nos juntamos, nos aliamos, ou nos separamos e declaramos guerra aos outros em nome do desenvolvimento do próprio capitalismo, e não em nome do desenvolvimento da humanidade... A mola propulsora aqui, parafraseando Marx (nunca é demais), é a auto-reprodução do capital, e não o desenvolvimento livre da humanidade; o objetivo por trás disso tudo é suprir as necessidades do capital, e não as necessidades humanas. Como também disse Twain, “Fomos até lá [ele se referia à expansão territorial americana, invadindo Cuba, Filipinas, Porto Rico, etc., mas aqui podemos pensar, de novo, não só os EUA conquistando tudo, mas qualquer país querendo se impor frente ao outro] para conquistar, não para salvar”.
Internacionalismo, então, este é o caminho e o objetivo. Supressão de todas as barreiras que nos separam, sejam elas geográficas, políticas, econômicas, morais. Um só povo, mas com toda a pluralidade cultural possível e saudável (e caberia aqui uma longa digressão sobre relativismo e universalismo, que não vem ao caso agora), com toda a real riqueza que o Homem é capaz de produzir, “de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”, como dizia Marx, não importa a cor, raça, gênero ou orientação sexual (obviamente não vou colocar aqui “credo”, pois comunismo e internacionalismo sem supressão da religião, sinto muito Leonardo Boff e a pseudo-esquerda, é um contra-senso).
Pra terminar, e aliviar o peso do tema, uma gracinha: o mundo é mesmo uma bunda... E, reparem bem a foto: o c* do mundo é a África (renegada, isolada, usada)...
Dias desses estava lendo umas dessas revistas semanais pela internet, uma edição de 2006, sobre “violência doméstica”. Fiquei pensando sobre o que chamam de “violência moral” (que se manifesta sob a forma de dominação psicológica e mesmo gestos “leves” de intimidação através de abuso físico), uma forma tão destrutiva quanto a violência propriamente física, mas que passa desapercebida por não deixar marcas aparentes, no corpo. A alma, essa sim, vai ficando vagarosamente danificada, ressecada. Nessa revista havia um texto com “sintomas”, “sinais” de que alguém é um violento em potencial, e propunha maneiras de identificar comportamentos do que era classificado como “perversão”, principalmente em se tratando de relacionamentos amorosos. Reproduzi abaixo alguns dos comportamentos identificados pela revista, especificamente aqueles que dizem ou já disseram respeito à minha vida, e que são tão “discretos” e “cotidianos” que muitas vezes não percebemos neles toda a intensidade que realmente têm.
1) Durante a fase de início da relação:
* Apresenta-se como injustiçado, uma pessoa que sofreu por falta de amor, de apoio, e teve que construir tudo sozinho; na maioria das vezes isso é verdade, embora ele esteja estimulando seu instinto maternal.
2) Após o início da relação, na fase inicial de perversidade:
* Fica aborrecido com freqüência e você se vê desfazendo mal-entendidos.
* Não admite recusas, sua vontade tem que ser satisfeita a qualquer custo.
* Chama por você e exige que você pare o que está fazendo para atendê-lo.
* Tem humor instável, e deixa você aflita por nunca saber o que vai detonar uma crise.
* Suas mentiras começam a aparecer. Mente tanto que se esquece do que falou e, quando você o questiona sobre a veracidade do que está falando, age como se você fosse uma criminosa.
3) Com a perversidade já instalada:
* Agride-a verbalmente, faz ameaças para magoar, embaraçar ou restringir sua liberdade; e, quando discutem, baixa o nível.
* Faz inúmeras perguntas encadeadas apenas para intimidar, sem o objetivo real de saber as respostas.
* Quebra coisas, dá socos na parede, e usa violência simbólica, como rasgar fotos ou destruir seus objetos pessoais.
* Minimiza os acessos de raiva, como se cada um fosse uma exceção.
* Faz você acreditar que não é violento, e que você é a responsável pelas perdas de controle dele.
* Culpa os outros pelos próprios ataques. É você que o leva à loucura.
* É capaz de se mostrar frágil fisicamente, mas apenas você conhece sua verdadeira força.
(Fonte:Assédio moral: entre o amor e a perversidade, de Leila Sodero Rezende e Vânia Crespo)