quarta-feira, 4 de junho de 2008

Rodízio de chuchu?!

Abaixo estão trechos de textos de Jurandir Freire Costa, psicanalista e professor de medicina na UERJ.

O primeiro deles é "Sexo no fio da navalha", publicado no caderno Mais! do Jornal Folha de São Paulo, em 23/12/2007, em que, de forma muito pertinente, o autor aponta para a dicotomia existente na nossa sociedade, caracterizada pelo moralismo excessivo, entre o "sexo domesticado" (e socialmente aceito, apesar de nada libertador, e sim escravizante) e o "sexo compulsivo" (socialmente inaceito mas, na minha opinião, e na do próprio autor, também nada libertador e de certa forma também escravizante, ainda que por uma via diferente). Como diz o autor: "[...] ou temos um sexo domesticado pelo mito [aqui o autor se refere aos mitos sociais], mas neuroticamente inibido ou compulsivamente transgressor."
Lembrando das idéias que têm rondado minha cabeça (como disse no primeiro post desse blog), fico pensando e tentando compreender as motivações, justificativas e mesmo os limites dos indivíduos que adotam práticas que não são socialmente aceitas (infelizmente), principalmente práticas sexuais como troca de casais ("reais" ou não), orgias, menàges, etc., ou mesmo quem tem uma conduta sexual mais liberal, e acho que de certa forma (e aqui vou colocar lenha na fogueira) uma boa parte desses indivíduos poderia se encaixar naquilo que Jurandir Freire Costa denomina como comportamento compulsivo para a transgressão, que faria com que a busca permanente pelo "proibido", pelo "novo", pelo "desconhecido" acabasse por esvaziar o sentido das práticas mencionadas, que, imagino, longe de significarem "sexo pelo sexo", significam a busca pela extensão dos desejos e prazeres, algo que por si só é dotado de sentido e pode mesmo levar ao crescimento pessoal ou de uma relação (a dois, a três, a quantos se queira). De novo, como diz o autor, o sexo passou a ser algo como uma "[...] desumanização do gozo sexual entre coisas, e não pessoas".
E, antes que me esqueça: para os que estão lendo isso e me conhecem, sabem que não estou colocando tudo no mesmo "balaio", pois estou ciente das peculiaridades de cada prática mencionada, e, mais ainda, das peculiaridades e diferentes posturas das pessoas que as praticam, e de forma alguma estou aqui julgando ou condenando as mesmas! Para os que estão lendo e não me conhecem, saibam disso! Como diz o autor, é "[...] humilhante e vergonhoso conviver com os preconceitos sexuais que mantivemos até hoje", e preconceito é algo contra o qual acredito que devemos lutar incessantemente!

O segundo texto é na verdade uma entrevista feita por Anabela Paiva com Jurandir Freire Costa, disponível no site do Correio Braziliense. Na entrevista, o psicanalista fala de inúmeros temas interessantes e atuais, todos relacionados à banalização do sexo e do corpo na nossa sociedade, que se tornaram produtos de consumo (segundo ele, não usamos somente o sexo para vender mercadorias: o próprio sexo se tornou ele mesmo uma mercadoria), longe de serem formas autênticas de expressão individual e social. Segundo ele, vivemos uma era do sexo como um "rodízio de chuchu", ou seja, uma variedade incessante e até mesmo instintiva, mas vazia de "gosto", em que nos são oferecidos "produtos" (ou seja, corpos) que não significam nada mais do que "mais do mesmo", dado o grau de padronização do erotismo e da sexualidade no qual chegamos.
Além disso, um ponto importante ressaltado por ele é o excessivo exibicionismo atual (e, de novo, me vem à mente todo o grau de exibição que envolve as práticas sexuais que mencionei acima; mas, mais uma vez: não estou sendo moralista, pois acredito que questionar atitudes e pessoas e por vezes apontar o que talvez possa haver de errado de acordo com nosso ponto de vista não é de forma alguma condená-las ou julgá-las): para ele, este exibicionismo estaria diretamente vinculado aos "males" da civilização contemporânea, como a competição feroz, a luta por sempre ser melhor do que os demais, superando a todos como forma de afirmação pessoal, a vontade de ter (e de parecer ser) sempre mais e mais.
Quase ao final da entrevista, ao falar dos ideais de fidelidade e monogamia, ideais românticos que hoje em dia estão mais postos à prova do que nunca, o autor apresenta uma interessante reflexão, ainda que limitada e questionável em certos aspectos: "Esses ideais persistem como o último porto onde se pode abrigar nosso desejo de ser algo mais além de sexos e corpos consumidores de sensações e produtos industriais. [...] A saída amorosa e a da fidelidade são como que as últimas trincheiras de uma cultura sitiada pela moral do dinheiro, ou seja, pelo incentivo obsceno à voracidade, à inveja, à ganância, ao cinismo e à corrupção."

Para terminar, reproduzo aqui o final da entrevista, em que o autor, apesar de ser extremamente crítico com relação ao sexo na contemporaneidade, ressalta os aspectos positivos de toda essa "liberação sexual" (que, podemos pensar, está sendo mesmo libertadora ou ainda mais escravizante?):
"O único aspecto positivo da banalização da sexualidade que consigo ver é o fato de abandonarmos, talvez, a veneranda idéia ocidental que preferências, inclinações, práticas ou características sexuais têm a ver, necessariamente, com valor ético. Ou seja, acreditamos, até agora, que aquilo que se é ou se faz, do ponto de vista sexual, define o que se é, do ponto de vista moral. Isso pode estar mudando, a medida que o sexo vai se tornando algo tão trivial quanto qualquer outra manifestação da conduta humana. Ora, foi porque aprendemos a dar uma enorme importância moral à sexualidade, que criamos preconceitos sexuais que infelicitaram e ainda atormentam milhões de seres humanos em todo mundo. Basta relembrar o que os homens foram capazes de fazer com as mulheres que não eram mais virgens. Em nome do tabu da virgindade chegou-se até a justificar a brutalidade dos crimes de honra! Pois bem, se aprendermos a não ver o sexo como o Supremo Mal ou o Supremo Bem da vida, talvez venhamos a abandoná-lo como critério para avaliar moralmente as pessoas. Em geral, só consideramos matéria, pivô, de discussão ética aquilo que julgamos fundamental para nossa vida moral. Desse aspecto, a trivialização do sexo pode vir a ser um ganho moral, independente das intenções dos comerciantes de sexualidade, na forma pornográfica ou no formato para pais de família e donas de casa."

Obrigada àqueles que tiveram a paciência de ler tudo, até aqui!

Um comentário:

Luiz Lourenço disse...

Gostei do blog, parabéns! Gostaria mais se você escrevesse seus próprios textos em formato de crônicas, pois sei que escreve muitíssimo bem. També acho que não é necessário nenhuma teoria psicanalítica para dar justificativa das suas opiniões sobre sexo ou qualquer questão comportamental. Opiniões é uma coisa conhecimento científico outra e talvez estes textos seus fiquem no meio do caminho entre uma coisa e outra. Não sei se esta adrogenia literaria é boa, mas questões certamente são.

Admirador n.1